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CAPÍTULO

O MEMBRO DA FAMÍLIA

Duas da tarde do dia 7 de setembro de 2023, uma quinta-feira, em pleno feriado da Independência. Quando saiu às pressas de São Caetano para o Cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Brotas, em Salvador, Jorgina Alvim já estava medicada para conter a emoção. O motivo do desespero foi o enterro de um velho conhecido que nunca chegou a cumprimentar pessoalmente: o apresentador Raimundo Varela.

Quando soube que ele havia falecido, a atriz de 64 anos sentiu como se tivesse perdido um parente. “Me pegou de surpresa total, foi um choque. Eu não aceitei. É como se fosse alguém da família, uma amizade chegada, como se ele me conhecesse. Aí teve o vazio no dia seguinte, eu pensava: ‘não tem mais, amanhã ele não vai estar lá’”, conta. “Eu só fiquei com vergonha no sepultamento porque chorei muito. Eu não me controlei, principalmente quando tampou o caixão, me descontrolei totalmente. Mas, não sei. Eu acredito em reencarnação, pode ser que a gente tenha sido próximo em outra vida. Quem sabe?”

A relação de Jorgina com Varela se estabeleceu como muitas outras entre telespectador e jornalista. A figura era presente em sua TV todos os dias, no mesmo horário. A revolta na voz do jornalista ao noticiar injustiças ecoavam a sua própria, e era a ele que conhecidos seus recorriam em situações de dificuldade.

O Balanço Geral, programa de Varela, começou na rádio no início da década de 1980, apresentado por ele, e ganhou uma versão televisiva em 1985. Só 12 anos depois, porém, é que Varela assume o Balanço Geral na TV, com uma lógica diferente dos outros telejornalistas locais: desbocado, sem filtro, populista.

Ao unir assuntos sérios da cidade com os famosos cartões inspirados pelo futebol, outro interesse seu, Varela trazia a dimensão lúdica dos bordões para as notícias difíceis que relatava – o  que seria replicado por mais emissoras e comunicadores baianos tempos depois, em programas como o Se Liga Bocão (TV Aratu, 2006), Que Venha o Povo (TV Aratu, 2008) e a versão local do Brasil Urgente (Band Bahia, 2011). Tendo marcado uma mudança no perfil do jornalismo baiano, o apresentador conseguiu consolidar com o público uma relação única de proximidade.

“Varela tinha uma opinião muito forte, que sintoniza, às vezes, de modo muito claro o jeito baiano mais impositivo de falar. E tem as questões dos temas, o fato de ele se colocar como esse intermediador na relação com os poderes públicos e de ir lá e cobrar, oferecer um jornalismo que seria de intervenção, que vai lá e resolve as coisas. Ele não faz nem esse lugar do mediador, mas sim de um jornalismo que presta um serviço público, de fazer essa relação com o governo e levar o governo a resolver certas questões”, define Itania Gomes, professora e coordenadora do Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação (TRACC).

“Varela tinha uma opinião muito forte, que sintoniza, às vezes, de modo muito claro o jeito baiano mais impositivo de falar. E tem as questões dos temas, o fato de ele se colocar como esse intermediador na relação com os poderes públicos e de ir lá e cobrar, oferecer um jornalismo que seria de intervenção, que vai lá e resolve as coisas. Ele não faz nem esse lugar do mediador, mas sim de um jornalismo que presta um serviço público, de fazer essa relação com o governo e levar o governo a resolver certas questões”, define Itania Gomes, professora e coordenadora do Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação (TRACC).

A companhia confirmada cinco dias por semana no café da manhã, almoço ou jantar estabelece a relação como uma espécie de “encontro marcado”. “Existe uma relação que surge quando você se familiariza com aquele profissional naquele horário. Você sabe que vai ouvir aquela voz, sabe quais são as expectativas que tem em relação ao programa”, afirma.

São os canais abertos os principais produtores dessas amizades, com os programas voltados para as necessidades da população e telejornais locais. Apesar do consumo em queda, a TV aberta ainda reina no Brasil: é consumida em 86,5% dos domicílios brasileiros, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, relações como a de dona Jorgina com Varela continuam se reinventando.

93,9%

dos domicílios brasileiros têm televisão

Desses,

86,5%

contam com recepção de sinal analógico ou digital de televisão aberta por meio de antena convencional

Uma queda de

1,5%

em relação a 2023

Ligação que atravessa gerações

Essa forma de interação não é recente. Antes mesmo de Varela, seja a nível nacional ou local, eram comuns os relatos de telespectadores que respondiam ao “boa noite” dos jornalistas. Um dos maiores exemplos foi Cid Moreira, primeiro apresentador do Jornal Nacional, que, com sua voz imponente, mesmo que num estilo mais impessoal, conseguiu dialogar com o público a cada notícia.

Juliana Gutmann, professora na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora do Grupo de Pesquisa CHAOS - Cultura Audiovisual, Historicidades e Sensibilidades, afirma que essa conexão se fortalece porque o jornalista é uma espécie de versão encarnada do telejornal. Se já existia a sensação de diálogo com a figura na tela, com o passar do tempo diversos procedimentos foram adotados para estreitar ainda mais essa conexão. A professora explica: “os enquadramentos da bancada, por exemplo, que antes era sempre um plano e outro plano, se abrem para o repórter conversar, ter esse lugar da conversa como se estivesse incluindo o telespectador no discurso. Então ele está conversando ali, falando: ‘ei, você aí de casa’. Tem uma relação retórica, são várias estratégias retóricas de construção de proximidade, mas dentro ainda de uma chave televisiva”, diz.

Isso ganha força com a chegada da era digital, que altera ainda mais as formas de relação entre jornalistas e telespectadores. As estratégias de cumplicidade ganham uma dimensão pessoal, dando origem ao  que Juliana nomeia de “repórter persona”. “Pense quando essa versão encarnada da televisão está nas redes. Eu vejo, por exemplo, Andréia Sadi conversando com os filhos, ouço as vozinhas das crianças, e depois ela está lá no telejornal. É uma sensação de que eu participo da vida dela, então eu posso confiar no que ela diz. É totalmente diferente a construção de credibilidade”, diz.

Se o apresentador do Balanço Geral foi o maior exemplo de cumplicidade com o telespectador na Bahia nas últimas décadas, uma nova geração de nomes da televisão local vem conquistado o público pelo carisma na tela, agora potencializado pelas redes. Um desses nomes é o de Vanderson Nascimento, apresentador do Bahia Meio Dia, telejornal da TV Bahia. Em frente à tela, ele assume uma persona bem-humorada, com bordões como “Deus me livre não ser baiano” – transformado em música por Saulo Fernandes e em estampas de camisetas em 2023 – e a maneira que reforça o horário em que o programa começa: “às 11h45, nem um minuto a mais, nem um a menos”.

Foi o bom humor que conquistou a autônoma Rita de Cássia Santana, de 52 anos. Para ela, que trabalha de casa, assistir ao jornal todos os dias é uma forma de distração – e, de quebra, um jeito de se manter informada. Criou o hábito de almoçar e cuidar dos afazeres domésticos enquanto ouve a voz de Vanderson, que considera um “irmão mais novo”. 

“É uma coisa, assim, como se eles fossem da família mesmo. Eu amo todos, mas tenho meus prediletos. Vanderson é um irmão mais novo, caçulinha. Eu acompanho no Instagram, vou para o direct, mando mensagem e tudo. Às vezes eu mando foto também, faço tudo”, diz.

A relação foi construída com o tempo. Ligava a TV para se atualizar, mas foi gostando do jeito que aquele apresentador sorridente conduzia o programa. Hoje, se preocupa com ele, manda bom dia por mensagem direta e está sempre em contato com as páginas da emissora, tentando uma oportunidade de ser vista por ele. Nas redes sociais, até pouco tempo atrás compartilhava partes da própria vida com os jornalistas através das hashtags da TV Bahia. Eram comuns as fotos da mãe, dos irmãos e da netinha prestes a ir para a escola, além de denúncias e pedidos de ajuda para conhecidos. 

Âncora do Bahia Meio Dia há quatro anos, Vanderson começou a carreira na rádio, passou por assessorias de comunicação e já foi apresentador na Band Bahia, na TVE e até em uma emissora portuguesa, a RTV, no seu tempo de mestrado no país europeu. 

A fala de dona Rita é uma das que Vanderson ouve com frequência. O jornalista, nascido e criado no bairro de Cajazeiras, não lembra ao certo quando foi a primeira vez que sentiu na pele o carinho dos telespectadores. Lembra bem, no entanto, de começar a cobrir festas populares como o Bonfim e o Carnaval e ser abraçado de cara pelas pessoas; de perceber o olhar atento do público em relação a ele. 

“Esse sentimento que Dona Rita falou, que eu pareço irmão dela, eu ouço muito. ‘Você parece alguém que conheço há muito tempo’, ‘parece alguém da família’. E eu acho que essa proximidade vem muito do jeito que eu consigo conduzir o meu trabalho. Eu consigo trabalhar de forma mais próxima, o que para mim faz muito sentido mesmo, porque eu acredito nessa comunicação que se aproxima das pessoas e não se distancia. Quando eu ouço um depoimento como esse, tenho a certeza de que o caminho está sendo feito da forma correta, da forma que eu acredito”, diz.

Eu falo para as pessoas: “não se leve tão a sério. Sempre que puder ser leve, seja”

Juliana Freire Gutmann é professora do Departamento de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura Audiovisual, Historicidades e Sensibilidades (CHAOS) e autora dos livros "Formas do Telejornal: linguagem televisiva, jornalismo e mediações culturais" (Prêmio Compós/ Edufba, 2014) e "Audiovisual em rede: derivas conceituais" (Selo PPGCOM UFMG, 2021).

93,9%

dos domicílios brasileiros têm televisão

Desses,

86,5%

contam com recepção de sinal analógico ou digital de televisão aberta por meio de antena convencional

Uma queda de

1,5%

em relação a 2023

Famílias postiças

Quando não estava com olhos fixos em Varela, dona Jorgina assistia atentamente às entradas de Naiara Oliveira nos programas da TV Itapoan. A repórter, com seu carisma e os jargões carregados de baianidade, conquistou Jorgina de cara. Em agosto de 2022, quando soube que Naiara havia sido convocada por Luiz Bacci para trabalhar na Record nacional, em São Paulo, ela ficou arrasada. “Pensei logo: vou perder minha amiga. Mas ela não podia ir, o lugar dela é aqui”, diz. 

Dona Jorgina não é a única. Não foram poucas as vezes que a jornalista, durante pautas, ouviu pessoas lamentarem sua ida. Quando voltou, cerca de quatro meses depois, foram as celebrações pelo seu retorno que a ajudaram a se revigorar na capital baiana.  

Algumas dessas ocasiões foram presenciadas pela autora desta reportagem. Em um dia no fim de 2023, por exemplo, no velório de uma vítima de feminicídio, em meio à tristeza e à revolta, o ar mudava quando as pessoas presentes avistavam Naiara. Sorriam, acenavam, manifestavam a satisfação em vê-la novamente em suas TVs no mesmo horário de sempre, falando do seu povo para o seu povo.

Criada em Muritiba, no recôncavo baiano, Naiara Oliveira teve dificuldades em se estabelecer no jornalismo ao completar a graduação. Mudou-se para Salvador e trabalhou com telemarketing por cinco anos, até ficar sabendo de uma vaga para repórter na Record em 2021. Não tinha experiências no currículo, mas tinha dois desejos: atuar na área em que se formou e fazer isso através da TV. Conseguiu a posição, segundo ela, pela vontade de crescer. 

Ao longo da carreira, perdeu a conta de quantas vezes foi convidada para entrar nas casas das pessoas e tomar um café ou almoçar. Nesses anos, pensou muito sobre a identificação que causa nos telespectadores. Acredita que grande parte disso vem da linguagem que escolhe utilizar, uma clareza pensada para que, do sofá de casa, sua mãe e sua avó entendam o que ela quis dizer. 

“Eu enxergava um vazio lá atrás, quando a minha avó assistia ao telejornal, era uma notícia de serviço, uma vacinação, por exemplo, e quando terminava ela não sabia quem podia tomar a vacina e até quando era. Foi aí que eu entendi que o segredo estava em como a gente comunica. Eu quero que quem me escute? Eu acho que quando você fala perfeitamente, você tem que falar com o público que está aqui, essa zona de baixo. Quando você fala com ela, você fala com todo mundo. E eu fiz a promessa de que se eu tivesse a oportunidade de um dia estar na televisão, ia falar para esse povo”, conta.

O próprio retorno se deu devido à falta que sentia da assinatura que podia deixar nas reportagens de sua terra natal. Em São Paulo, segundo Naiara, só reportava crimes. Estava adoecendo. Em junho de 2024, foi desligada da TV Record. Agora, comanda o TVE Revista, no qual estreou em novembro de 2024. Gosta do ritmo mais leve do programa cultural da TVE, mas também sente saudade das ruas. 

“Quem é de comunidade conhece até sua respiração. Se você está respirando com deboche ou se você está falando de boa. Quando eu chegava, pela forma como eu pisava no chão e andava, falava com as pessoas, elas sempre diziam: ‘pô, negona, você chega aqui e fala com todo mundo, não tem frescura. Você chega aqui e toma um café, toma uma água, conversa com a gente. Você é nossa’”, diz. “Chegou ao ponto de eu entrar em comunidades em situações de alta complexidade e conseguir fazer meu trabalho. Quando eu voltava para a emissora, os colegas perguntavam: ‘como é que você conseguiu entrar lá, se ninguém entra?’, e eu dizia: ‘rapaz, eu entrei’.”

Ligação que atravessa gerações
 

Essa forma de interação não é recente. Antes mesmo de Varela, seja a nível nacional ou local, eram comuns os relatos de telespectadores que respondiam ao “boa noite” dos jornalistas. Um dos maiores exemplos foi Cid Moreira, primeiro apresentador do Jornal Nacional, que, com sua voz imponente, mesmo que num estilo mais impessoal, conseguiu dialogar com o público a cada notícia.

Juliana Gutmann, professora na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora do Grupo de Pesquisa CHAOS - Cultura Audiovisual, Historicidades e Sensibilidades, afirma que essa conexão se fortalece porque o jornalista é uma espécie de versão encarnada do telejornal. Se já existia a sensação de diálogo com a figura na tela, com o passar do tempo diversos procedimentos foram adotados para estreitar ainda mais essa conexão. A professora explica: “os enquadramentos da bancada, por exemplo, que antes era sempre um plano e outro plano, se abrem para o repórter conversar, ter esse lugar da conversa como se estivesse incluindo o telespectador no discurso. Então ele está conversando ali, falando: ‘ei, você aí de casa’. Tem uma relação retórica, são várias estratégias retóricas de construção de proximidade, mas dentro ainda de uma chave televisiva”, diz.

Isso ganha força com a chegada da era digital, que altera ainda mais as formas de relação entre jornalistas e telespectadores. As estratégias de cumplicidade ganham uma dimensão pessoal, dando origem ao  que Juliana nomeia de “repórter persona”. “Pense quando essa versão encarnada da televisão está nas redes. Eu vejo, por exemplo, Andréia Sadi conversando com os filhos, ouço as vozinhas das crianças, e depois ela está lá no telejornal. É uma sensação de que eu participo da vida dela, então eu posso confiar no que ela diz. É totalmente diferente a construção de credibilidade”, diz.

Se o apresentador do Balanço Geral foi o maior exemplo de cumplicidade com o telespectador na Bahia nas últimas décadas, uma nova geração de nomes da televisão local vem conquistado o público pelo carisma na tela, agora potencializado pelas redes. Um desses nomes é o de Vanderson Nascimento, apresentador do Bahia Meio Dia, telejornal da TV Bahia. Em frente à tela, ele assume uma persona bem-humorada, com bordões como “Deus me livre não ser baiano” – transformado em música por Saulo Fernandes e em estampas de camisetas em 2023 – e a maneira que reforça o horário em que o programa começa: “às 11h45, nem um minuto a mais, nem um a menos”.

Foi o bom humor que conquistou a autônoma Rita de Cássia Santana, de 52 anos. Para ela, que trabalha de casa, assistir ao jornal todos os dias é uma forma de distração – e, de quebra, um jeito de se manter informada. Criou o hábito de almoçar e cuidar dos afazeres domésticos enquanto ouve a voz de Vanderson, que considera um “irmão mais novo”. 

“É uma coisa, assim, como se eles fossem da família mesmo. Eu amo todos, mas tenho meus prediletos. Vanderson é um irmão mais novo, caçulinha. Eu acompanho no Instagram, vou para o direct, mando mensagem e tudo. Às vezes eu mando foto também, faço tudo”, diz.

Se o apresentador do Balanço Geral foi o maior exemplo de cumplicidade com o telespectador na Bahia nas últimas décadas, uma nova geração de nomes da televisão local vem conquistado o público pelo carisma na tela, agora potencializado pelas redes. Um desses nomes é o de Vanderson Nascimento, apresentador do Bahia Meio Dia, telejornal da TV Bahia. Em frente à tela, ele assume uma persona bem-humorada, com bordões como “Deus me livre não ser baiano” – transformado em música por Saulo Fernandes e em estampas de camisetas em 2023 – e a maneira que reforça o horário em que o programa começa: “às 11h45, nem um minuto a mais, nem um a menos”.

Âncora do Bahia Meio Dia há quatro anos, Vanderson começou a carreira na rádio, passou por assessorias de comunicação e já foi apresentador na Band Bahia, na TVE e até em uma emissora portuguesa, a RTV, no seu tempo de mestrado no país europeu. 

A fala de dona Rita é uma das que Vanderson ouve com frequência. O jornalista, nascido e criado no bairro de Cajazeiras, não lembra ao certo quando foi a primeira vez que sentiu na pele o carinho dos telespectadores. Lembra bem, no entanto, de começar a cobrir festas populares como o Bonfim e o Carnaval e ser abraçado de cara pelas pessoas; de perceber o olhar atento do público em relação a ele. 

“Esse sentimento que Dona Rita falou, que eu pareço irmão dela, eu ouço muito. ‘Você parece alguém que conheço há muito tempo’, ‘parece alguém da família’. E eu acho que essa proximidade vem muito do jeito que eu consigo conduzir o meu trabalho. Eu consigo trabalhar de forma mais próxima, o que para mim faz muito sentido mesmo, porque eu acredito nessa comunicação que se aproxima das pessoas e não se distancia. Quando eu ouço um depoimento como esse, tenho a certeza de que o caminho está sendo feito da forma correta, da forma que eu acredito”, diz.

Eu falo para as pessoas: “não se leve tão a sério. Sempre que puder ser leve, seja”

Juliana Freire Gutmann é professora do Departamento de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É coordenadora do Grupo de Pesquisa Cultura Audiovisual, Historicidades e Sensibilidades (CHAOS) e autora dos livros "Formas do Telejornal: linguagem televisiva, jornalismo e mediações culturais" (Prêmio Compós/ Edufba, 2014) e "Audiovisual em rede: derivas conceituais" (Selo PPGCOM UFMG, 2021).

Famílias postiças

Quando não estava com olhos fixos em Varela, dona Jorgina assistia atentamente às entradas de Naiara Oliveira nos programas da TV Itapoan. A repórter, com seu carisma e os jargões carregados de baianidade, conquistou Jorgina de cara. Em agosto de 2022, quando soube que Naiara havia sido convocada por Luiz Bacci para trabalhar na Record nacional, em São Paulo, ela ficou arrasada. “Pensei logo: vou perder minha amiga. Mas ela não podia ir, o lugar dela é aqui”, diz. 

Dona Jorgina não é a única. Não foram poucas as vezes que a jornalista, durante pautas, ouviu pessoas lamentarem sua ida. Quando voltou, cerca de quatro meses depois, foram as celebrações pelo seu retorno que a ajudaram a se revigorar na capital baiana.  

Algumas dessas ocasiões foram presenciadas pela autora desta reportagem. Em um dia no fim de 2023, por exemplo, no velório de uma vítima de feminicídio, em meio à tristeza e à revolta, o ar mudava quando as pessoas presentes avistavam Naiara. Sorriam, acenavam, manifestavam a satisfação em vê-la novamente em suas TVs no mesmo horário de sempre, falando do seu povo para o seu povo.

Criada em Muritiba, no recôncavo baiano, Naiara Oliveira teve dificuldades em se estabelecer no jornalismo ao completar a graduação. Mudou-se para Salvador e trabalhou com telemarketing por cinco anos, até ficar sabendo de uma vaga para repórter na Record em 2021. Não tinha experiências no currículo, mas tinha dois desejos: atuar na área em que se formou e fazer isso através da TV. Conseguiu a posição, segundo ela, pela vontade de crescer. 

Ao longo da carreira, perdeu a conta de quantas vezes foi convidada para entrar nas casas das pessoas e tomar um café ou almoçar. Nesses anos, pensou muito sobre a identificação que causa nos telespectadores. Acredita que grande parte disso vem da linguagem que escolhe utilizar, uma clareza pensada para que, do sofá de casa, sua mãe e sua avó entendam o que ela quis dizer. 

“Eu enxergava um vazio lá atrás, quando a minha avó assistia ao telejornal, era uma notícia de serviço, uma vacinação, por exemplo, e quando terminava ela não sabia quem podia tomar a vacina e até quando era. Foi aí que eu entendi que o segredo estava em como a gente comunica. Eu quero que quem me escute? Eu acho que quando você fala perfeitamente, você tem que falar com o público que está aqui, essa zona de baixo. Quando você fala com ela, você fala com todo mundo. E eu fiz a promessa de que se eu tivesse a oportunidade de um dia estar na televisão, ia falar para esse povo”, conta.

O próprio retorno se deu devido à falta que sentia da assinatura que podia deixar nas reportagens de sua terra natal. Em São Paulo, segundo Naiara, só reportava crimes. Estava adoecendo. Em junho de 2024, foi desligada da TV Record. Agora, comanda o TVE Revista, no qual estreou em novembro de 2024. Gosta do ritmo mais leve do programa cultural da TVE, mas também sente saudade das ruas. 

“Quem é de comunidade conhece até sua respiração. Se você está respirando com deboche ou se você está falando de boa. Quando eu chegava, pela forma como eu pisava no chão e andava, falava com as pessoas, elas sempre diziam: ‘pô, negona, você chega aqui e fala com todo mundo, não tem frescura. Você chega aqui e toma um café, toma uma água, conversa com a gente. Você é nossa’”, diz. “Chegou ao ponto de eu entrar em comunidades em situações de alta complexidade e conseguir fazer meu trabalho. Quando eu voltava para a emissora, os colegas perguntavam: ‘como é que você conseguiu entrar lá, se ninguém entra?’, e eu dizia: ‘rapaz, eu entrei’.”

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