CAPÍTULO
A CELEBRIDADE
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A CELEBRIDADE
É difícil explicar a relação que existe entre um fã e seu ídolo. O frio na barriga, a expectativa, a dedicação. Cantores, atores, atletas, obras de ficção e até políticos são alguns dos grupos que se tornam frequentemente objetos da paixão obstinada de admiradores. Mas, às vezes, o ídolo não é dos mais convencionais.
“Eu nunca me imaginei sendo fã de uma jornalista. Um dia, passando pelos canais, vi uma notícia que me chamou atenção, não me lembro mais qual foi, mas quando a câmera voltou para ela, que ela veio com um comentário, eu falei 'porra, ela fala bem para caramba'. E comecei a assistir mesmo. Fui vendo que ela realmente era uma pessoa diferenciada. Ela não é qualquer jornalista”, conta Poliana Calmon, professora de 35 anos.
O dia de 2016 em que navegava despretensiosamente pelas emissoras e bateu os olhos em Jessica Senra, então na TV Itapoan, mudou o rumo da sua vida. Passou a assistir ao telejornal Bahia no Ar religiosamente, buscar vídeos de Jessica no YouTube e acompanhá-la nas redes sociais.
Foi assim por três anos. Presenciou a transição de Jessica Senra para a TV Bahia, viu a jornalista trocar o “bom dia” pelo “boa tarde”, fez amizade com outros fãs. Em 2019, veio um passo a mais: a vontade de criar um fã-clube. Aconteceu naturalmente. Estava com duas amigas – que também conheceu através de Jessica – num dos muitos mutirões da TV Bahia em que marcaram presença para encontrar com a apresentadora e decidiram sair para comer. Lá, de supetão, decidiram criar um grupo, fazer um logotipo e bater o martelo em um nome. Assim nasceu o Bonde Senra, maior página dedicada a Jessica em atividade.
O Bonde Senra é uma das muitas contas voltadas para jornalistas baianos nas redes sociais. Não é difícil encontrar fã-clubes para nomes como Camila Marinho, Naiara Oliveira, Jessica Smetak e Marcelo Castro, alguns mais ativos que outros, mas todos tendo como ponto comum o tom de admiração.
Cinco anos depois, Poliana continua a administrar o fã-clube ao lado das duas amigas, Vana e Carolina. Juntas, são as “filhas de Jessica”. Hoje, os integrantes estão distribuídos em cidades baianas como Salvador, Lauro de Freitas, Alagoinhas e Mucugê, e tem gente até em Curitiba. Encontram-se na medida do possível, em atividades da Rede Bahia, palestras, festas populares em que Jessica está de plantão e outros eventos que têm a presença confirmada da jornalista. Mas, mesmo à distância, estão sempre em movimento.
“Se tinha mutirão do mês da mulher, mutirão do mês do homem, a gente ia. E no aniversário dela era certo irmos à Rede Bahia fazer alguma coisa. Fizemos em 2018 e em 2019. Em 2020, na pandemia, fomos para um drive-thru que ela fez para as pessoas terem contato com ela no aniversário. Mas a gente sempre se organiza, nem que seja gravando um vídeo. O aniversário dela é um evento nosso, sempre vamos fazer alguma coisa, nem que seja online”, diz.
Fotos que Poliana guarda de momentos com Jessica Senra. A primeira foi tirada no Festival Virada Salvador 2023, em que a jornalista estava de plantão; na segunda, Poliana e outras integrantes do Bonde Senra posam ao lado de Jessica na Rede Bahia; na terceira, a sobrinha de Poliana entrega a Jessica um quadro feito especialmente para a jornalista.


A conversa com Poliana aconteceu na semana em que Jessica anunciou sua saída do Bahia Meio Dia. Ela, assim como os outros membros do fã-clube, estava apreensiva. Lembra que, quando viu a notícia, estava trabalhando e precisou parar por uns bons minutos.
Senti meu celular vibrando, peguei com curiosidade e era o grupo lotado de mensagens, três pessoas me mandando a postagem dela. Quando eu abri e vi as notícias dizendo que ela tinha sido demitida, que tinha pedido demissão, que não sei o quê, inclusive um menino do próprio grupo dizendo que Jessica pediu demissão, eu tive que ler tudo com calma. Isso antes da minha aula. Os meus alunos me esperando e eu lendo tudo”, conta.
A apreensão, em grande parte, foi pela surpresa, mas também pela falta de atualizações de Jessica, que já estava há algum tempo sem dar as caras nas redes sociais. Não é raro que ela passe um tempo distante da internet: a jornalista tem um perfil mais recluso e os fãs têm consciência disso. Mas eles vão fazendo dar certo.
É difícil explicar a relação que existe entre um fã e seu ídolo. O frio na barriga, a expectativa, a dedicação. Cantores, atores, atletas, obras de ficção e até políticos são alguns dos grupos que se tornam frequentemente objetos da paixão obstinada de admiradores. Mas, às vezes, o ídolo não é dos mais convencionais.
“Eu nunca me imaginei sendo fã de uma jornalista. Um dia, passando pelos canais, vi uma notícia que me chamou atenção, não me lembro mais qual foi, mas quando a câmera voltou para ela, que ela veio com um comentário, eu falei 'porra, ela fala bem para caramba'. E comecei a assistir mesmo. Fui vendo que ela realmente era uma pessoa diferenciada. Ela não é qualquer jornalista”, conta Poliana Calmon, professora de 35 anos.
O dia de 2016 em que navegava despretensiosamente pelas emissoras e bateu os olhos em Jessica Senra, então na TV Itapoan, mudou o rumo da sua vida. Passou a assistir ao telejornal Bahia no Ar religiosamente, buscar vídeos de Jessica no YouTube e acompanhá-la nas redes sociais.
Foi assim por três anos. Presenciou a transição de Jessica Senra para a TV Bahia, viu a jornalista trocar o “bom dia” pelo “boa tarde”, fez amizade com outros fãs. Em 2019, veio um passo a mais: a vontade de criar um fã-clube. Aconteceu naturalmente. Estava com duas amigas – que também conheceu através de Jessica – num dos muitos mutirões da TV Bahia em que marcaram presença para encontrar com a apresentadora e decidiram sair para comer. Lá, de supetão, decidiram criar um grupo, fazer um logotipo e bater o martelo em um nome. Assim nasceu o Bonde Senra, maior página dedicada a Jessica em atividade.
O Bonde Senra é uma das muitas contas voltadas para jornalistas baianos nas redes sociais. Não é difícil encontrar fã-clubes para nomes como Camila Marinho, Naiara Oliveira, Jessica Smetak e Marcelo Castro, alguns mais ativos que outros, mas todos tendo como ponto comum o tom de admiração.
Cinco anos depois, Poliana continua a administrar o fã-clube ao lado das duas amigas, Vana e Carolina. Juntas, são as “filhas de Jessica”. Hoje, os integrantes estão distribuídos em cidades baianas como Salvador, Lauro de Freitas, Alagoinhas e Mucugê, e tem gente até em Curitiba. Encontram-se na medida do possível, em atividades da Rede Bahia, palestras, festas populares em que Jessica está de plantão e outros eventos que têm a presença confirmada da jornalista. Mas, mesmo à distância, estão sempre em movimento.
“Se tinha mutirão do mês da mulher, mutirão do mês do homem, a gente ia. E no aniversário dela era certo irmos à Rede Bahia fazer alguma coisa. Fizemos em 2018 e em 2019. Em 2020, na pandemia, fomos para um drive-thru que ela fez para as pessoas terem contato com ela no aniversário. Mas a gente sempre se organiza, nem que seja gravando um vídeo. O aniversário dela é um evento nosso, sempre vamos fazer alguma coisa, nem que seja online”, diz.
Fotos que Poliana guarda de momentos com Jessica Senra. A primeira foi tirada no Festival Virada Salvador 2023, em que a jornalista estava de plantão; na segunda, Poliana e outras integrantes do Bonde Senra posam ao lado de Jessica na Rede Bahia; na terceira, a sobrinha de Poliana entrega a Jessica um quadro feito especialmente para a jornalista.


A conversa com Poliana aconteceu na semana em que Jessica anunciou sua saída do Bahia Meio Dia. Ela, assim como os outros membros do fã-clube, estava apreensiva. Lembra que, quando viu a notícia, estava trabalhando e precisou parar por uns bons minutos.
Senti meu celular vibrando, peguei com curiosidade e era o grupo lotado de mensagens, três pessoas me mandando a postagem dela. Quando eu abri e vi as notícias dizendo que ela tinha sido demitida, que tinha pedido demissão, que não sei o quê, inclusive um menino do próprio grupo dizendo que Jessica pediu demissão, eu tive que ler tudo com calma. Isso antes da minha aula. Os meus alunos me esperando e eu lendo tudo”, conta.
A apreensão, em grande parte, foi pela surpresa, mas também pela falta de atualizações de Jessica, que já estava há algum tempo sem dar as caras nas redes sociais. Não é raro que ela passe um tempo distante da internet: a jornalista tem um perfil mais recluso e os fãs têm consciência disso. Mas eles vão fazendo dar certo.
Celebridade ao alcance da mão
Nesse processo, embora não seja um fator indispensável, a proximidade física é um diferencial. A possibilidade de ir até a emissora deixar presentes, participar de eventos em que o ídolo estará e até marcar encontros com outros admiradores – que muitas vezes têm a presença dos próprios profissionais – estreita a relação entre fã e celebridade. Disso, Anderson Lima sabe bem. O jornalista de 26 anos, fã da apresentadora Camila Marinho há uma década, já perdeu a conta de quantas vezes foi até a Rede Bahia para cumprimentá-la ou deixar algum mimo para ela. Também já não consegue contar nos dedos a quantidade de encontros de fãs que organizou de dez anos para cá.
“A gente fazia piquenique e festas nos aniversários. Agora, devido à correria, é que não conseguimos mais, mas um tempo atrás, todo ano a gente juntava uma galera no fim do ano e ficava aguardando a escala sair. Quando ela trabalhava no ano novo, geralmente viajava para Belo Horizonte antes e quando ela voltava a gente fazia algo. A gente já fez um aniversário que virou lenda, que todo mundo via e comentava, porque foi uma festa mesmo”, diz.
Por “a gente”, Anderson se refere ao grupo de admiradores de Camila Marinho que encabeça, cuja fagulha foi uma página dedicada à jornalista que ele mantinha no Instagram. Lá, postava fotos e atualizações sobre ela, mas sem dar um nome ao que estava fazendo. Hoje, reconhece que tinha um fã-clube e conta não reivindicar o título de precursor, mas que é assim que se sente diante do movimento que veio a partir dessa união digital.
“Eu postava fotos com ela, fotos dela apresentando e também em outros momentos. E publicava também muitas fotos referentes a ela, como a escala de trabalho, quando ela estava num horário que não era o dela, enfim. No início, outras pessoas que também admiravam Camila me mandavam mensagem no privado, porque me viam muito com ela, então falavam: ‘ah ela é gente boa mesmo, ela é essa pessoa legal e tranquila’ e eu respondia que botava a minha mão no fogo por ela. Porque foi uma pessoa que me ensinou, me ajudou. Não só pelo exemplo, mas me ajudou até pessoalmente, em questões minhas. Eu fui me aproximando de algumas pessoas por conta dela e, quando a gente viu, estava todo mundo junto”, diz.
Nascida em Belo Horizonte, mas baiana de coração – e no papel, de forma simbólica, desde que recebeu o Título de Cidadã Baiana da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) em 2018 –, Camila Marinho trabalha na TV Bahia há 20 anos. Entrou como repórter, passou para apresentadora do Bahia Meio Dia e foi também âncora do BATV. Hoje, comanda o Bom Dia Sábado na afiliada e fala para todo o Brasil através de entradas e reportagens especiais para telejornais como o Jornal Nacional e o Jornal Hoje.
Na Bahia, ela foi uma espécie de pioneira entre os jornalistas que acumulam fãs de carteirinha, com uma turma fiel atrás de si há pelo menos nove anos. No início, a cena era inusitada: uma apresentadora de TV em meio a um grande grupo em espaços como o Parque da Cidade ou a Barra, em piqueniques ou encontros descontraídos com os admiradores. O primeiro foi em 2017, no Morro do Cristo, na Barra. Anderson, já tiete ferrenho de Camila, estava lá. Com o passar do tempo, perder os compromissos relativos a ela deixou de ser uma opção.
“No primeiro aniversário dela durante a pandemia, a gente já sabia que não teria nada, porque estava na segunda onda de Covid. E eu pensava comigo mesmo: ‘é aniversário dela, não vou deixar passar em branco’. E o que eu fiz na época: comprei um teste rápido, fiz, deu negativo. Fui até a Rede Bahia, conversei com ela, ela ficou retada comigo por eu ter ido, perguntou se eu era maluco. Eu respondi: ‘é seu aniversário, você acha realmente que eu ia ficar sem te ver?’”, lembra.
Para FêCris Vasconcellos, doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora da crise do jornalismo no ambiente digital, a era em que as pessoas são fãs de jornalistas é um reflexo do momento atual – cujo ponto de partida foram os anos 1920 –, em que a busca pela emoção supera o “reino da razão”, mesmo para campos tradicionalmente objetivos como o jornalismo.
“E se a nossa relação com tudo é emocional, por que a relação com o jornalismo não seria, né? Só que isso traz aspectos complexos para o jornalismo, que é uma atividade naturalmente racional. O jornalismo é cunhado em objetividade, no fato. A gente tem uma contradição natural, como se o jornalismo fosse meio anacrônico dentro desse momento que vivemos, e o jornalista acaba virando ele o jornalismo. O foco do público quando está olhando para a notícia acaba sendo o jornalista, tudo acaba se conectando na pessoa. É uma conexão que não tem lugar no jornalismo clássico, mas que a gente precisa encontrar. Porque a real é que o jornalismo está dentro da sociedade, não o contrário", diz.
Antes de Camila, Anderson nunca havia se interessado tanto por uma figura pública a ponto de se considerar fã. Cantores, atores, ninguém o atraía o bastante. Pelo contrário: o fanatismo de seus amigos por artistas famosos era constantemente alvo de julgamentos para ele. Agora, brinca com a ironia da situação.
“Meus amigos são do tipo de ir para a porta da pessoa. E eu falava: 'cara, eu não faço isso, acho perda de tempo. Você vai fazer isso por uma pessoa cheia de dinheiro?'. Quando veio a minha situação com Camila, eles disseram: 'tá vendo você pagando a língua?’. E eu digo que é porque com ela é diferente, é outra situação. Ela foi a primeira pessoa por quem eu consegui ter esse tipo de olhar, de querer acompanhar e estar sempre presente.”
“Eu me acostumei a almoçar com ela todo dia”
“Eu me acostumei a almoçar com ela todo dia”
Em sua pesquisa de doutorado, FêCris Vasconcellos investiga a crise do jornalismo no ambiente digital e relação com o imaginário e a pós-modernidade. A pesquisa, feita na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), deu origem ao livro "As Crises do Jornalismo – Entre a Notícia e o Algoritmo (Gog, 2025)". Hoje, atua como gerente de produtos de streaming no Grupo RBS.
Limites da relação
Quando Anderson começou a namorar, já sabia a primeira pessoa a quem queria contar. “Eu apresentei a Camila primeiro, quis que ela conhecesse, falei: ‘aqui, eu estou com essa pessoa’. Antes de família, antes de todo mundo”, diz.
Hoje, ele considera que a relação com Camila vai além de fã e ídolo e que está mais próxima de uma amizade. É amigo da mãe dela, dos amigos, dos filhos, da empregada e até do ex-marido. E conta que uma coisa o deixa chateado nessa dinâmica: que ele sempre chama, mas ela nunca comparece às suas festas de aniversário.
A relação de fandom, em seu âmago, envolve uma paixão que por vezes passa por cima de limites. Da Beatlemania – ela mesma descrita como um “frenesi” – à dedicação intensa dos Swifties ou ARMY, a vontade de fazer parte da rotina do ídolo é um ponto comum. Segundo FêCris Vasconcellos, pela natureza da profissão dos jornalistas, porém, pode haver conflitos quando essa dinâmica acontece em relação a um profissional da notícia. Sobretudo quando a proximidade é tanta que as fronteiras entre vida pessoal e profissional ficam quase invisíveis.
“Há profissões em que isso toca de maneiras diferentes. Jornalistas e artistas são pessoas com profissões que fazem com que eles sejam mais politicamente expostos e publicamente expostos, eu acho que a diferença está muito aí. A natureza do trabalho do artista é tocar emocionalmente. A arte é emocional, a arte sempre foi desse lugar, mas o jornalismo não é uma atividade do emocional, então isso causa algum ruído, alguma interferência. A celebridade transforma a exposição em meio de vida”, diz.
A especialista ressalta que a transformação em figura pública é quase um requisito em profissões que exigem relação com a comunidade atualmente. “Qualquer profissão que tenha uma natureza de serviço passa por isso. Porque, se você olhar, tem Instagram de oficina mecânica que as pessoas agem como influenciadores para ganhar também essa proximidade, essa credibilidade emprestada pela identificação. Então, nessa era midiática que a gente vive, em especial esse momento da influência, eu acho que é meio inevitável: todo mundo é uma pessoa pública, de certa maneira.”
comunidade de pessoas unidas por um interesse em comum.
Hashtag jornalista
A popularidade que migra das telas da TV para as redes sociais abre espaço para um comportamento muito próprio da era midiatizada: o de influenciador digital. A facilidade em comunicar, somada ao capital social desses profissionais, faz com que acumulem milhares de seguidores, atuem como porta-vozes de nichos específicos e até façam propagandas de marcas.
De acordo com FêCris, essa migração não vem necessariamente com um valor negativo ou positivo, mas pode causar um “ruído desnecessário na informação”. Ela pondera, porém, que a precarização das relações de trabalho no jornalismo é um dos fatores que fazem com que os profissionais busquem outras atividades para complementar a renda.
“A gente está num mundo em que as relações de trabalho estão deterioradas”
Limites da relação
Quando Anderson começou a namorar, já sabia a primeira pessoa a quem queria contar. “Eu apresentei a Camila primeiro, quis que ela conhecesse, falei: ‘aqui, eu estou com essa pessoa’. Antes de família, antes de todo mundo”, diz.
Hoje, ele considera que a relação com Camila vai além de fã e ídolo e que está mais próxima de uma amizade. É amigo da mãe dela, dos amigos, dos filhos, da empregada e até do ex-marido. E conta que uma coisa o deixa chateado nessa dinâmica: que ele sempre chama, mas ela nunca comparece às suas festas de aniversário.
A relação de fandom, em seu âmago, envolve uma paixão que por vezes passa por cima de limites. Da Beatlemania – ela mesma descrita como um “frenesi” – à dedicação intensa dos Swifties ou ARMY, a vontade de fazer parte da rotina do ídolo é um ponto comum. Segundo FêCris Vasconcellos, pela natureza da profissão dos jornalistas, porém, pode haver conflitos quando essa dinâmica acontece em relação a um profissional da notícia. Sobretudo quando a proximidade é tanta que as fronteiras entre vida pessoal e profissional ficam quase invisíveis.
“Há profissões em que isso toca de maneiras diferentes. Jornalistas e artistas são pessoas com profissões que fazem com que eles sejam mais politicamente expostos e publicamente expostos, eu acho que a diferença está muito aí. A natureza do trabalho do artista é tocar emocionalmente. A arte é emocional, a arte sempre foi desse lugar, mas o jornalismo não é uma atividade do emocional, então isso causa algum ruído, alguma interferência. A celebridade transforma a exposição em meio de vida”, diz.
A especialista ressalta que a transformação em figura pública é quase um requisito em profissões que exigem relação com a comunidade atualmente. “Qualquer profissão que tenha uma natureza de serviço passa por isso. Porque, se você olhar, tem Instagram de oficina mecânica que as pessoas agem como influenciadores para ganhar também essa proximidade, essa credibilidade emprestada pela identificação. Então, nessa era midiática que a gente vive, em especial esse momento da influência, eu acho que é meio inevitável: todo mundo é uma pessoa pública, de certa maneira.”
comunidade de pessoas unidas por um interesse em comum.
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O lado deles
O lado deles
Camila Marinho viu a fama chegar de modo gradual. Os fãs surgiam, ela se surpreendia por um momento e logo ia tentar responder todas as mensagens que chegavam em suas redes sociais. Certo dia, quando um deles sugeriu um encontro de fãs, ela aceitou prontamente. Combinaram na região da Barra, numa tarde de 2017. Seria o primeiro de muitos.
“Foi muito bacana. Tinha gente que queria me conhecer, alguns que eu já conhecia, outros que levaram mãe. É muito legal quando você vê esse carinho de graça, espontâneo. Você não tem nada a oferecer a não ser o seu trabalho, a sua presença, e a pessoa te dá de volta. Te oferece uma festa surpresa, um encontro de fãs, se dispõe a sair de casa. Tem gente que mora na Ilha de Itaparica e atravessava só para vir para o encontro”, diz.
Ela conta que, ao longo do tempo, criou com os fãs uma relação próxima o bastante para eles saberem quando respeitar o espaço dela e entenderem quando ela demorar a responder mensagens, por exemplo.
“Eles respeitam muito meu espaço, são muito tranquilos nesse sentido. Não ficam ali pentelhando. A gente sabe que tem alguns que ficam à cola, mas também esses que eu criei essa relação mais próxima são muito respeitosos. Isso é muito legal. Eu acho que funciona com cada um entendendo o seu espaço, entendendo os limites, respeitando o momento em que eu não respondo pela correria, pela rotina, ou porque a gente esquece mesmo”, afirma a apresentadora.
Para Jessica Senra, essa é uma divisa que precisa estar bem definida. No Instagram, acumula quase 980 mil seguidores, mas quem a acompanha de perto, como Poliana, sabe que ela não é alguém que está on-line o tempo inteiro. Para isso, os fãs encontram um jeito: esmiuçar até descobrir algum evento em que possam vê-la. No Bonde Senra, esses eventos são as competições de karatê de Jessica. O primeiro encontraram sozinhos. Depois, a própria jornalista passou a compartilhar as datas e locais.
Ela não se incomoda com a presença. Diz que hoje se sente boa em estabelecer limites e dizer até onde podem ir – o que só precisou fazer uma vez com os fãs, quando uma das mais novas e mais sentimentais achou que ela estava distante e pediu uma discussão de relacionamento.
“Eu estava num momento muito introspectivo. Estava muito solitária mesmo e ela provocou essa DR, então eu falei: 'ó, o seguinte. Uma coisa que você vai entender sobre mim, e talvez ao longo desses anos vocês não tenham entendido ainda, mas vão entender, é que eu vou tomar minhas decisões assim. Vou ficar calada, vou desaparecer por um período, depois eu reapareço’”, conta. Depois disso, foi só amor. “Eu acho que elas entendem porque quando estamos juntas, elas sabem que eu estou 100% ali. Eu tenho um amor imenso por elas. Acho que vai se ajeitando assim. Como uma boa mãe, estou ensinando minhas filhas a lidarem com a aceitação da vida.”
A introspecção da jornalista tomou uma dimensão ainda maior depois que suas falas no Bahia Meio Dia começaram a viralizar. Jessica ficou conhecida por fugir da ideia de imparcialidade e manifestar opiniões em assuntos polêmicos do jornal, sendo, segundo ela mesma, uma “âncora opinativa”. Mas, com isso, vieram os haters, pessoas que aproveitavam cada chance para deixar comentários de ódio e até ameaças em suas redes. Por conta disso, adotou algumas medidas: restringiu comentários nas publicações, criou uma conta privada para amigos e familiares e não posta fotos em tempo real.
“Eu procuro cuidar das minhas redes sociais. Primeiro, a questão dos comentários, só pode comentar quem me segue. Então, se a pessoa quiser me atacar, ela vai ter que ter o desprazer de clicar em seguir, me atacar e, depois, parar de seguir. Tem gente que vai mesmo assim, mas aí me engaja, entendeu? Ah, você quer me engajar? Pronto, venha”, brinca a jornalista. “Se vejo alguém me assediando, eu bloqueio, excluo, silencio. Tomo precauções porque já fui ameaçada mesmo, gravemente ameaçada. Como a gente não sabe quem está do outro lado, se vai cumprir ou não a ameaça, a gente se resguarda.”
Para FêCris Vasconcellos, esse é outro reflexo de um período movido pelos afetos. “As pessoas se manifestam de maneira passional. O discurso de ódio é muito grande e tem maneiras que não tinha antes de ser reverberado. Então, a gente está vendo essa força também por um lado negativo. E saber se defender, saber navegar e se preservar também é muito importante”, diz.
Hashtag jornalista
A popularidade que migra das telas da TV para as redes sociais abre espaço para um comportamento muito próprio da era midiatizada: o de influenciador digital. A facilidade em comunicar, somada ao capital social desses profissionais, faz com que acumulem milhares de seguidores, atuem como porta-vozes de nichos específicos e até façam propagandas de marcas.
De acordo com FêCris, essa migração não vem necessariamente com um valor negativo ou positivo, mas pode causar um “ruído desnecessário na informação”. Ela pondera, porém, que a precarização das relações de trabalho no jornalismo é um dos fatores que fazem com que os profissionais busquem outras atividades para complementar a renda.
“A gente está num mundo em que as relações de trabalho estão deterioradas”
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O lado deles
O lado deles
Camila Marinho viu a fama chegar de modo gradual. Os fãs surgiam, ela se surpreendia por um momento e logo ia tentar responder todas as mensagens que chegavam em suas redes sociais. Certo dia, quando um deles sugeriu um encontro de fãs, ela aceitou prontamente. Combinaram na região da Barra, numa tarde de 2017. Seria o primeiro de muitos.
“Foi muito bacana. Tinha gente que queria me conhecer, alguns que eu já conhecia, outros que levaram mãe. É muito legal quando você vê esse carinho de graça, espontâneo. Você não tem nada a oferecer a não ser o seu trabalho, a sua presença, e a pessoa te dá de volta. Te oferece uma festa surpresa, um encontro de fãs, se dispõe a sair de casa. Tem gente que mora na Ilha de Itaparica e atravessava só para vir para o encontro”, diz.
Ela conta que, ao longo do tempo, criou com os fãs uma relação próxima o bastante para eles saberem quando respeitar o espaço dela e entenderem quando ela demorar a responder mensagens, por exemplo.
“Eles respeitam muito meu espaço, são muito tranquilos nesse sentido. Não ficam ali pentelhando. A gente sabe que tem alguns que ficam à cola, mas também esses que eu criei essa relação mais próxima são muito respeitosos. Isso é muito legal. Eu acho que funciona com cada um entendendo o seu espaço, entendendo os limites, respeitando o momento em que eu não respondo pela correria, pela rotina, ou porque a gente esquece mesmo”, afirma a apresentadora.
Para Jessica Senra, essa é uma divisa que precisa estar bem definida. No Instagram, acumula quase 980 mil seguidores, mas quem a acompanha de perto, como Poliana, sabe que ela não é alguém que está on-line o tempo inteiro. Para isso, os fãs encontram um jeito: esmiuçar até descobrir algum evento em que possam vê-la. No Bonde Senra, esses eventos são as competições de karatê de Jessica. O primeiro encontraram sozinhos. Depois, a própria jornalista passou a compartilhar as datas e locais.
Ela não se incomoda com a presença. Diz que hoje se sente boa em estabelecer limites e dizer até onde podem ir – o que só precisou fazer uma vez com os fãs, quando uma das mais novas e mais sentimentais achou que ela estava distante e pediu uma discussão de relacionamento.
“Eu estava num momento muito introspectivo. Estava muito solitária mesmo e ela provocou essa DR, então eu falei: 'ó, o seguinte. Uma coisa que você vai entender sobre mim, e talvez ao longo desses anos vocês não tenham entendido ainda, mas vão entender, é que eu vou tomar minhas decisões assim. Vou ficar calada, vou desaparecer por um período, depois eu reapareço’”, conta. Depois disso, foi só amor. “Eu acho que elas entendem porque quando estamos juntas, elas sabem que eu estou 100% ali. Eu tenho um amor imenso por elas. Acho que vai se ajeitando assim. Como uma boa mãe, estou ensinando minhas filhas a lidarem com a aceitação da vida.”
A introspecção da jornalista tomou uma dimensão ainda maior depois que suas falas no Bahia Meio Dia começaram a viralizar. Jessica ficou conhecida por fugir da ideia de imparcialidade e manifestar opiniões em assuntos polêmicos do jornal, sendo, segundo ela mesma, uma “âncora opinativa”. Mas, com isso, vieram os haters, pessoas que aproveitavam cada chance para deixar comentários de ódio e até ameaças em suas redes. Por conta disso, adotou algumas medidas: restringiu comentários nas publicações, criou uma conta privada para amigos e familiares e não posta fotos em tempo real.
“Eu procuro cuidar das minhas redes sociais. Primeiro, a questão dos comentários, só pode comentar quem me segue. Então, se a pessoa quiser me atacar, ela vai ter que ter o desprazer de clicar em seguir, me atacar e, depois, parar de seguir. Tem gente que vai mesmo assim, mas aí me engaja, entendeu? Ah, você quer me engajar? Pronto, venha”, brinca a jornalista. “Se vejo alguém me assediando, eu bloqueio, excluo, silencio. Tomo precauções porque já fui ameaçada mesmo, gravemente ameaçada. Como a gente não sabe quem está do outro lado, se vai cumprir ou não a ameaça, a gente se resguarda.”
Para FêCris Vasconcellos, esse é outro reflexo de um período movido pelos afetos. “As pessoas se manifestam de maneira passional. O discurso de ódio é muito grande e tem maneiras que não tinha antes de ser reverberado. Então, a gente está vendo essa força também por um lado negativo. E saber se defender, saber navegar e se preservar também é muito importante”, diz.






